Lá estava eu, em uma cidade do interior de Santa Catarina. Tinha ido visitar e conhecer a família de minha noiva. Não me lembro o nome da cidade, mas pesquisando no Google deixe que seja Dionísio Cerqueira. O pessoal era muito animado, e bem chegado a festas, e a diversão parecia garantida.
– Vamos comprar cerveja !!! – disse um dos primos.
Lá eles atravessavam a fronteira para a Argentina onde comprava-se uma garrafa de cerveja mais barato que no Brasil, não obstante sua produção ser brasileira. E o melhor, a garrafa não era de 600ml e sim de 1 LITRO. Ora, vamos lá !
Embarcados em um carro de passeio e uma pickup Peugeot (aquela antiga Peugeot quadrada feiona) atravessamos a fronteira, onde pude avistar um posto da Polícia Federal, oportunidade em que os novos amigos disseram que a legislação permitia apenas que trouxéssemos 12 litros do fermentado de cevada.
Já em terras alienígenas, paramos em um pequeno armazém, onde fomos recebidos com entusiasmo por um sujeito caricato que de pronto me fez notar que realmente ali já era a terra da Guerra das Malvinas. Papo vai, papo vem, até que um dos primos disse ao sujeito: - Oh Hermano, esse cara aqui é noivo da prima e é policial lá no Rio de Janeiro, mostra pra ele o que você tem aí! Pronto, nós policiais somos acostumados à este tipo de palanque, e sempre viramos assunto quando estamos perto, seja para zombaria ou por curiosidade, e eu já imaginava o sujeito sacando de uma velha garrucha ou algo que o valha. Mas para minha surpresa o sujeito abriu um armário logo atrás do balcão, e arrastou um saco daqueles de batata e internamente com mais um grande saco de lixo. Olhei novamente e percebi que no saco não havia batatas nem garruchas, e sim uma enorme quantidade de munição calibre 9mm. Aff, com aquela quantidade de munição dava para toda a minha turma da ACADEPOL ficar treinando tiro por metade do dia!
- Agora vamos voltar pra fazer a festa, coloca as mercadorias no carro – disse um dos primos. Eu ainda meio sem saber o que pensar, além do tradicional “o que estou fazendo aqui??” assistia àquela cambada de loucos carregarem a pickup com uns 5 sacos de farinha (ah, eles mesmos fazem o pão na fazenda, papo de voltar lá só pra comer de novo) e umas 10 caixas de cerveja.
Vamos! Peraí, como assim “vamos” como que vai passar essa muamba toda de volta pro Brasil?
Ah, não esquenta, todo mundo aqui é amigo, e nós nem vamos pela estrada, tem um caminho alternativo ali pelo lado...
Os carros seguiram em comboio, o argentino fechou o boteco e foi também. Lá ia eu, com um bando de doidos do interior e um argentino com duas pistolas na cintura... peraí, pistola na cintura?? Você é policial cara? ... risos.
– Que nada, aqui todo mundo é amigo... Amigo... os carros seguiam por uma estrada de barro, subindo e descendo morros e eu, obviamente aterrorizado e arrependido pensando...não é possível, isso tá muito estranho, ali na frente deve ter uma emboscada, vamos tomar um bote, e imagina o jornal : "Policial Civil do Rio é preso na fronteira Brasil-Argentina tentando entrar em terras tupiniquins com grupo armado, descaminhando cerveja e com diversas sacas de pó branco, que suspeita-se ser cloridato de cocaína". O que eu estava fazendo ali mesmo???
A viagem seguiu brevemente, em minutos -que pra mim contavam horas- chegamos de volta na fazenda e o churrasco rolou noite adentro com aquela deliciosa picanha argentina, cerveja boa e barata e todos os “minhocas” zoando minha expressão de perplexidade quando vi que num botequim argentino tinha mais munição que na DFAE (setor encarregado em distribuir munição à Polícia Civil/RJ). Ninguém foi preso, apesar de minhas pessimistas previsões, e voltei pro Rio com mais uma história que eu nem conto porque ninguém acredita mesmo...