Em qualquer meio profissional, em qualquer especialidade ou tendência, existem paradigmas e corolários, e a dita "sabedoria popular" doutrina o lugar comum das considerações.

Dali surgem os argumentos que volta e meia são empregados nos debates sobre segurança pública, política, Polícia e corrupção. Não raro as frases são repetidas como se fossem pensamentos pessoais, mas nada mais são que o reflexo de ideologias batidas e frágeis, aceitação pura e simples combinadas com "achismos". Eu já tinha esse texto rascunhado, mas resolvi postar depois que li esse texto do Blog Direito e Trabalho, que sempre acompanho.
"A morte faz parte do trabalho policial": não, não pensamos assim. Por óbvio, sabemos e procuramos preparar familiares e amigos para uma eventual tragédia pessoal que venha a nos vitimar. Não tem como esconder que a probabilidade de ser vítima de homicídio, ou alvejado por um tiro é muito maior para mim do que para um professor ou um médico. Mas não admito a idéia de que é aceitável a morte de um policial, que "faz parte do contrato".
Não faz parte do contrato, e não deve ser banalizado e rotulado como corriqueiro ou aceitável. Quando um criminoso assassina um policial, durante o serviço ou em sua folga, deve se ter em mente que esse criminoso está declarando, em alto e bom tom, que não aceita a existência do Estado Democrático de Direito. Ele não reconhece a soberania. Ele não só está infringindo uma regra legal proibitiva (art. 121 CP - matar alguém - homicídio ) como o está fazendo contra o próprio Estado, já que o policial, ainda mais durante o serviço, deve ser encarado como "o Estado", ele é a personificação do Estado, tal como o é o juiz de direito durante uma audiência ou o professor lecionando em sala de aula. O assassinato de um policial é inaceitável, e torço para que um dia tenhamos um governante que tenha essa filosofia, de forma que não tenha mais sentido o Alexandre manter um contador de policiais mortos. Aí eu, o Alexandre, e você poderemos ser otimistas.
"O policial é corrupto porque ganha mal": acho frágil esse argumento. Tem lá suas bases, realmente é mais fácil explorar a vulnerabilidade de alguém que muitas vezes passa dificuldades financeiras e deixa sua família em privações, e se não houve uma fundação ética forte durante sua educação, algumas propostas podem ser tentadoras. Mas se bons salários por si só impedissem a corrupção, não veríamos tantos casos de corrupção envolvendo juízes, promotores, empresários, políticos... como o cara que ganha por mês, em suas atividades, em torno de 60 mil reais, goza de uma boa reputação, mas "quer sua parte em dinheiro para conceder uma liminar", como ouvimos nas escutas "vazadas" para a rede globo.
Bons salários são essenciais se queremos um serviço eficiente e o direito de cobrar do servidor essa eficiência, mas a corrupção na maioria das vezes está ligada à ética pessoal, e para combatê-la temos que ter um sistema eficiente. Mas para o sistema ser eficiente, o servidor ético tem que ser bem remunerado, ele tem que ser a referência, a regra, não a exceção. Percebem o ciclo? Ao contrário, os governos procuram punir os "maus policiais", mas desprezam os "bons".
"Quando você entrou para a Polícia já sabia quanto iria ganhar": esse argumento, além de ser um dos mais ridículos, não tem serventia nenhuma, senão para os que desejam a manutenção do estado caótico em que vivemos.
Aceitando uma bobagem dessa me enquandraria perfeitamente em nossa atual sociedade, o povo em geral, que vê o trem passar, escândalos e mais escândalos políticos, e nós assistindo inertes a tudo isso, docemente adormecidos. Chegamos ao ponto de ouvir absurdos como "ah, eu votei nesse ali porque ele rouba mas faz", ou "no tempo da ditadura militar não tinha isso".
Eu não devo me sentir acomodado, sempre buscarei melhorar as coisas, corrigir os erros que me chamam a atenção. Não é porque eu aceitei receber um salário de R$ 1.200,00 inicialmente que não vou procurar melhorar. Até porque não é simplesmente uma questão financeira, como fazem acreditar os governantes e a imprensa. É o primeiro e indispensável degrau para que avancemos rumo a uma segurança pública eficaz e consequente diminuição da violência. Já disse aqui várias vezes, eu posso até sair da Polícia para um emprego que remunere decentemente, mas vou continuar precisando dos serviços policiais, sou um cidadão. E não quero ser atendido por um servidor preocupado com a subsistência de sua família, cansado por ter um segundo e terceiro emprego, descrente e desmotivado com seus deveres.
O primeiro efeito de um salário baixo para uma função complexa e perigosa como o serviço policial é a evasão de servidores. Minha turma da Academia de Polícia tinha 1500 pessoas. Mais da metade já saiu da Polícia Civil, passaram para a Polícia Federal, como agente ou delegado, tornaram-se juízes, promotores... mais de 700 pessoas foram treinadas, o Estado teve gastos para nomeá-las, prepará-las, e eles foram embora, porque eram preparados demais para se rebaixarem aos salários oferecidos. E quem perde com isso é a sociedade, somos nós cidadãos. Os vocacionados estão indo embora, e só ficam os ideologistas, os acomodados e o "resto", que representa tão somente a Polícia como aquela velha imagem caricata. O homem bronco, de baixo nível intelectual, forma física repugnante e produtividade vergonhosa. Em outras palavras, pague mal e contete-se com o quem ficar.
De toda forma, acho muito bom que este tipo de assunto frequente os bate-papos e happy hours, e pode sim ser construtivo se evitarmos o lugar comum e exercitarmos o cérebro um pouquinho, e melhor ainda, se as idéias forem expostas. Que tal montar um Blog e dar sua contribuição?