Estou prestes a ler um livro, cuja existência soube anos atrás, mas nunca tinha encontrado para comprar. Sempre estava esgotado nas livrarias, inclusive nas virtuais. Chama-se "Missão Investigar - Entre o Ideal e a Realidade de Ser Policial". Segundo a sinopse, é o resultado de uma ampla pesquisa sobre a Polícia Civil e os policiais civis. Um trabalho pioneiro no sentido de suprir o desconhecimento do público e, mesmo, dos estudiosos das sociedades e das instituições, sobre a cultura e os valores dos policiais bem como sobre a própria instituição policial.
Nele os pesquisadores analisam as condições de trabalho, saúde e a qualidade de vida desses servidores da segurança pública, demonstrando que os policiais são brasileiros que vivem as mesmas angústias e esperanças dos demais cidadãos. Não são máquinas, super-homens ou super-heróis, mas profissionais muito mais expostos aos riscos do cotidiano - de serviço ou com sua família - do que a população em geral.
Ainda não li (tenho que ir buscar), e quando o fizer, obviamente que brotarão artigos nesta linha aqui no Caso de Polícia. Mas vejamos um pequeno trecho que descolei na internet:
"Ao procurar os serviços da polícia civil no Rio de Janeiro, é bom lembrar que terá 94,2% de chances lidar com funcionário público que espera levar tiro no trabalho e 58,4% de encontrar um profissional que não tira férias “há três anos ou mais”. É provável que ele esteja “nervoso, tenso ou agitado”, porque isso acontece com 48,2% da categoria. Talvez esteja preocupado com o excesso de peso, como 43,5% de quem trabalha nas delegacias. Ganhar de 1000 a 1500 reais por mês, que é a faixa onde ficam 57,5% dos salários e gratificações.
É gente com problemas de visão (51,9%), dores no pescoço, nas costas ou na coluna (41,5%), dores de cabeça freqüentes (23,9%) e hipertensão arterial (15,7%). Tem entre 36 e 45 anos (52,2%). E curso superior completo (53,2%). Dorme mal (37,4%), é incapaz de desempenhar um papel útil na vida (33,3%) e sente-se triste ultimamente (31,5%). Talvez, como diz um deles, porque “que ninguém vai à delegacia pra dizer que ama o vizinho, que está tudo em paz. Todo mundo vai lá para reclamar, reclamar”. Além disso, 96,9% acham a população não dá valor ao que eles fazem. Mas, se pudessem começar de novo, escolheriam a mesma carreira “com melhores condições (45%)".
Esta "pequena" introdução foi só para comentar uma notícia publicada ontem no jornal Diário do Nordeste, e que foi divulgada pelo Blog da Renata: Delegacias só no papel - Polícia Civil cearense enfrenta processo de esvaziamento. Sem pessoal, novas e velhas delegacias estão paradas.
Por carência de pessoal concursado na PCCE, existem regiões, principalmente no interior do estado, cujas delegacias são ocupadas e administradas exclusivamente por policiais militares. O efetivo da Polícia Civil no Ceará é de cerca de 2.200 policiais, contando Inspetores, Escrivães, Peritos e Delegados. Segundo o próprio Secretário de Segurança do CE, de tão baixo o efetivo, Delegado é considerado uma raridade.

Agora vejam, o Ceará tem 148.825,602 km² e uma população de mais de 8 milhões de habitantes. O Rio de Janeiro tem 43.696,054 km² e uma população maior que 15 milhões. E sofrem do mesmo mal. E assim como estes, a maioria dos estados brasileiros. Todas as polícias civis brasileiras, salvo raras exceções, além de estarem materialmente sucateadas e abandonadas, são extintas aos poucos, por esvaziamento dos quadros. No post anterior fiz algumas contas absurdas sobre o efetivo da Polícia Civil do Rio.
Não posso tomar como assertiva geral que a saída de pessoal dos quadros policiais se dêem pelo mesmo motivo em todos os lugares, apesar de apostar que assim o seja. Então vou me referir especificamente à Polícia Civil do Rio de Janeiro.
Para que se tenha uma idéia, no concurso através do qual eu entrei nesta corporação, foram preenchidas 1.500 vagas. De todo esse pessoal, calculamos que cerca de 60% já tenha deixado a PCERJ. Basta acompanhar em nosso boletim interno a publicação de "exonerações a pedido". É, para o servidor, como se fosse um pedido de demissão. Alguns partiram para a iniciativa privada ou passaram a advogar. Mas a maioria correu para outro órgão mesmo. Até perdi a conta de quantos ex-policiais civis que conheci, hoje estão na Polícia Federal como agentes ou delegados. Quantos são juízes, estaduais e federais. Quantos são promotores, defensores, advogados do BNDES... ou, mais inusitado ainda, há fuga para cargos com nível de escolaridade mais baixos, como auxiliares no TRT ou no TJ, que pagam cerca de 4 vezes o salário de um policial civil, cujo nível de escolaridade exigido hoje é 3º grau.
E uma grande massa continua estudando. A sociedade e a imprensa, em geral, enxergam a corrupção no meio policial como o principal problema das polícias, tanto a Civil quanto a Militar. Não percebem porém, que a causa de tamanha ineficiência na investigação e no patrulhamento se deve à enorme evasão dos quadros, ao desinteresse do profissional em melhor se qualificar, ao desânimo. E isto, tão somente, devido aos baixos salários e precariedade de recursos para trabalhar. Poucos são os policiais que conseguem dizer com convicção "eu não gosto de ser policial", apesar de tudo. Mas poucos também não lutam para mudar de vida. Infelizmente, principalmente para nós, cidadãos brasileiros.